Pular para o conteúdo principal

O colorir dá vida

Minha paixão pela ilha de São Tomé e Príncipe se torna cada dia maior. Eu não sei precisar quando esse caso de amor começou, mas foi aquele tipo de amor que aumenta no dia-a-dia, em cada descoberta, em cada olhar...

Talvez tenha começado ainda em Brasília, lá em 2010, quando conheci alguns diplomatas são-tomenses que faziam seus estudos no Itamaraty e com quem tínhamos excelentes conversas sobre as diferenças entre a África e o Brasil! Depois cresceu com nossa chegada ao Gabão, quando conhecemos os funcionários de nossa embaixada aqui, quase todos são-tomenses, que tão bem nos acolheram e que seguem ao nosso lado em cada pequena dificuldade encontrada! Com a convivência com eles, fui conhecendo esse povo de costumes tão louváveis, que prezam pelo respeito ao próximo e valorizam as coisas simples da vida, a amizade, a educação!



Por conta do acaso, ou não, três meses depois de chegarmos à Libreville, recebemos um pacote na caixa postal da embaixada (não existem endereços no Gabão). Meu marido foi buscar o pacote e voltou para casa com a frase: "Você não vai acreditar!". Um amigo dele, já sem contato há algum tempo, havia enviado um livro e junto uma carta que entre outras belas e confortantes palavras explicava um pouco sobre São Tomé: "Um lugar que, embora bem próximo do Gabão, é distinto por sua geografia, população, história, cultura e infelizmente, desenvolvimento econômico."
O livro em questão é o "Equador", de Miguel Sousa Tavares, um romance que se passa na ilha, na época da colonização portuguesa no início do século XX e que narra maravilhosamente bem os detalhes da paisagem, e também, de uma forma chocante e diferente de tudo que eu já havia lido, a escravidão. Um livro que me deixou ainda mais envolvida com São Tomé e Príncipe.

Eu ainda estava no início do livro quando embarcamos no aviãozinho que comporta umas 20 pessoas, que parte de Libreville e chega em São Tomé em apenas 30 minutos! Do alto já se vê a transparência das águas e a areia branca. Além de ver de perto aquela natureza virgem, ainda pudemos reencontrar nossos queridos amigos. Desde então, cada vez que penso nessa ilha, meu coração fica pequenininho, aconchegado, feliz... exatamente como me senti naqueles poucos dias por lá.

E novamente o acaso se fez presente! Algumas semanas após terminar de ler o livro, tive um encontro inesperado com o idealizador de um projeto-escola para crianças são-tomenses que moram em Libreville. A escola funciona desde 2000 e tenta manter viva a língua portuguesa, a cultura e os valores sócio-culturais do povo de São Tomé e Príncipe. As famílias são imigrantes que deixaram a tranquilidade da ilha para buscar trabalho - tão limitado por lá, e viver nas terras gabonesas.

A Escola Piloto São Tomense sobrevive graças à dedicação do diretor-fundador, um professor de educação física, que também veio tentar a vida no Gabão. Ele conseguiu o reconhecimento da escola perante o governo gabonês e o Ministério da Educação de São Tomé e Príncipe, do qual recebe uma pequena ajuda anual para a continuidade do projeto. Os demais custos são cobertos pelas pequenas mensalidades dos alunos e de ajudas esporádicas recebidas de Portugal, Bruxelas e outros parceiros, entre eles o Brasil, que fazem algumas doações de materiais didáticos.

Fui conhecer o projeto e as crianças. Caí de amores pelos 82 rostinhos lindos que me receberam cantando e dando boas-vindas! Fiquei sem reação. Não tirei foto. Não consegui absorver tudo que vi... Existem ainda outros 100 alunos em uma área metropolitana da cidade que ainda não conheci.

A escola fica em uma pequena construção, atrás de algumas barracas improvisadas de uma feira livre, um petit marché. A pintura está boa, tem um pátio pequeno e algumas salas pequenas e abafadas, algumas delas sem janelas e outras com problemas com a fiação, iluminadas apenas pela luz natural. Não tem livros para todos os alunos, precisamos tirar cópias. São 5 professores, por isso algumas turmas comportam 2 séries diferentes. E muitas, muitas outras dificuldades... Apesar de tudo isso, os alunos que saem da Escola Piloto São Tomense, aos 12/13 anos, conseguem seguir o ritmo das escolas gabonesas, falando e escrevendo bem francês e português, mostrando que o projeto precisa se manter vivo!

Eu nunca fiz trabalho voluntário e nem tenho tanto jeito assim com crianças, mas em pouco tempo eu já tenho muitas histórias para contar sobre esses pequenos... A cada tarde que passo lá sinto menos calor e volto para casa menos cansada e os conhecendo pelo nome e sabendo quem quer ser médico, jogador de futebol, engenheira de petróleo, cantor, desenhista ou uma piloto de avião!!! E o sonho comum de um dia conhecer o Brasil!

No meu primeiro dia, levei cópias impressas do Papai Noel para o pré pintar. Me arrependi! Os lápis de cor estavam sem pontas, numa caixa toda bagunçada... 


Pesquei alguns e o resultado foi: Papais-Noéis monocromáticos! :(



Levei aquela caixa para casa e agora já temos desenhos mais coloridos! :)

Como eu escrevi certa vez no facebook: Algumas experiências não são possíveis de serem compartilhadas, nem por palavras, nem por fotos. Elas simplesmente permanecerão vivas, coloridas, com cheiros, com vozes e olhares no meu coração e na minha mente. 

Não vejo a hora de encontrá-los e receber de novo aqueles abraços (claro, todos ao mesmo tempo)!

Comentários

  1. Celina,
    Parabéns, que lindo relato e que linda atitude. Cada vez me orgulho mais de você. Bjos

    ResponderExcluir
  2. Love this!! :) Me faz lembrar da primeira vez que fiz trabalho voluntario nas favelas cariocas. Experiencia linda e inesquecivel.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Nós continuamos a ser uma bela dupla! I really miss you, darling! Beijos

      Excluir
  3. Mais uma vez emocionada com seus posts!!!
    Experiência linda!
    Bjim, Lívia

    ResponderExcluir
  4. Muito legal! Parabéns. Conheci a Ilha pelo livro também! Espero um dia visita-la! PC

    ResponderExcluir

Postar um comentário

POSTS POPULARES

Esposa de Diplomata - Parte I

Nossas aventuras pela África continuam!  Recentemente completamos 1 ano em África. Foi um ano de muitas novidades, tantas descobertas, cores, paisagens, sabores! Além da oportunidade de morar em Libreville ainda conseguimos conhecer outras cidades africanas: Joanesburgo, São Tomé, Cotonou, Luanda, rápidas passagens por Adis Abeba e Ponta Negra, e ainda a linda Cidade do Cabo! Cada uma dessas cidades deixou sua marca especial na minha memória e impressões daquelas que só se pode ter vendo com seus próprios olhos.  Foto: Gabriela Oliveira (Cotonou, Bénin) Ainda temos muitos planos de viagem e amigos para visitar na África. Vamos tentando assim conhecer um pouquinho mais esse continente tão incrivelmente cheio de riquezas naturais, humanas, gastronômicas, religiosas, étnicas, idiomáticas...  Foto: Gabriela Oliveira (Cotonou, Bénin) Quanto à experiência da vida diplomática, eu diria que agora me sinto um pouco mais situada e recompensada pelas difíceis decisões de de

Falando em tecidos...

Fazer este blog tem me feito notar coisas que eu normalmente não notaria. Além disso, tenho cada vez mais percebido que escrever é uma arte! É difícil reler suas próprias produções depois do calor do momento; sempre quero mudar algo, incluir, tirar, enfim... Peço desculpas pelos errinhos e espero continuar passando a vocês esta experiência da forma mais clara, leve e objetiva possível.  Falando na arte da escrita, lembrei da contracapa de um livro que ganhei da querida diplomatriz Carollina Tavares, que diz: "O escritor não é alguém que vê coisas que ninguém mais vê. O que ele simplesmente faz é iluminar com os seus olhos aquilo que todos veem sem se dar conta disso. (...) para que o mundo já conhecido seja de novo conhecido como nunca foi." (Rubem Alves) Na África, descobri que a escrita pode ter milhares de formas e cores! Aqui, até o estampado de uma roupa é uma forma de expressão. A estampa fala por si só, cada uma delas explicita um sentimento, uma situação, um nome, u

Mariage coutumier: o casamento tradicional no Gabão

Hoje vou tratar de um tema complexo e com implicações sobre a questão de gênero, o mariage coutumier (casamento tradicional), bastante comum no Gabão e em diversos países africanos. A cerimônia terá particularidades mesmo dentro de um país, a depender da região e da etnia a que os noivos pertencem. É sem dúvida um dos rituais mais interessantes e tradicionais da cultura gabonesa, mas, como é comum nas instituições sociais, tem suas controvérsias . O grande dia De quinta a domingo se você ouvir sirenes e ver comboios de carros escoltados pela polícia, lotados de pessoas (incluindo em cima de caminhonetes) vestindo as mesmas cores e em clima de comemoração, não tenha dúvidas: não é revolução, é casamento! Os membros da família da noiva vestem-se com tecidos iguais, que combinam com o tecido da família do noivo. O tecido ("pagne") é previamente definido e deixado em lojas de tecido da cidade com o nome dos noivos. Os convidados irão coser seus traje