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Esposa de Diplomata - Parte II

Muitas pessoas chegam ao blog buscando informações sobre como é e o que faz uma "esposa de diplomata". O post Esposa de Diplomata? escrito em 2013, já rendeu quase 10 mil acessos, muitos comentários, e-mails de pessoas interessadas por informações, conselhos e alguns protestos. Hoje, quase 6 anos depois desse post, ele ainda é válido no que diz respeito às dificuldades enfrentadas pelos cônjuges nas questões profissionais.  Resolvi expandir o post trazendo mais algumas informações práticas.
  • Como é a vida de esposa de diplomata? Tem como conciliar a carreira sendo esposa de diplomata? Você recebe salário? Precisa aprender vários idiomas? Você pode trabalhar? Esposa de diplomata pode trabalhar? Como fica a vida familiar?  São perguntas recorrentes e pertinentes que vou tentar esclarecer:
Quando se está no Brasil, o diplomata é um funcionário público que, na maioria das vezes, segue uma rotina normal de trabalho. É fato que diplomata faz plantões - afinal tem brasileiro e embaixada em todos os fusos horários e, no caso de emergências, é o telefone do diplomata que vai tocar. As atividades de "diplig" (diplomata de ligação, que acompanha autoridades estrangeiras) são frequentes e, dependendo do assunto que o diplomata cuide, as viagens também serão muitas. A cada 4 anos, também, temos a posse de Presidente da República, no dia 01 de janeiro, uma peculiaridade brasileira. Nesse período, os diplomatas têm agenda cheia, o que acaba atrapalhando a ideia de "final de ano em família"; mas não é todo ano... 

Ao longo do ano também surgem visitas de estrangeiros, congressos e uma série de horas-extras (que não são remuneradas) e às quais as famílias precisam se adaptar. Alguns departamentos demandam mais que outros, mas em geral, todo diplomata será solicitado fora do horário. Existem também as missões transitórias, que são períodos curtos fora do país para trabalhos específicos nas embaixadas e consulados ao redor do mundo, que podem acontecer.

Isso tudo é para dizer que, quando o diplomata está em Brasília, a rotina de trabalho pode parecer um pouco diferente de outras profissões, mas, no geral, não irá mexer excessivamente na rotina dos parceiros. Normalmente, as demandas não exigem a presença dos cônjuges. Claro, algumas vezes os convites para recepções em embaixadas ou outros órgãos governamentais chegam para o casal, mas quero frisar que não existe obrigação de cumprir essa agenda por parte dos cônjuges. 

Fora do Brasil os compromissos dos diplomatas são basicamente os mesmos, em alguns casos o volume de trabalho pode ser maior, principalmente em países que abrigam uma grande comunidade brasileira, em missões multilaterais, em embaixadas com pequeno número de funcionários e também em postos grandes, com muitos temas. Além do atendimento aos brasileiros no exterior, as embaixadas e consulados também exercem o papel de representação do governo brasileiro nesse território.

Sendo assim, além do trabalho interno de administração, assistência consular, setor comercial e cultural, é preciso comparecer aos eventos formais promovidos por embaixadas, consulados e pelo governo do país onde o diplomata está servindo. A agenda pode ser bastante movimentada e é aqui que muitas vezes o cônjuge pode se envolver um pouco mais e participar mais ativamente em eventos de representação do Brasil: culturais, feiras, exposições. Mas sempre será uma atividade voluntária, livre e sem remuneração ou ajuda de custo.

É preciso esclarecer também que o cônjuge não recebe salário do governo brasileiro. Temos o passaporte e status diplomático, conforme a Convenção de Viena prevê, mas não existe nenhuma outra compensação ou incentivo como cursos de línguas, bolsas de estudo ou reembolso de despesas. Aproveito para destacar que filhos de diplomata também não recebem nenhum suporte financeiro para seus estudos ou aprendizado de novas línguas. 

Atualmente, com o mundo em transformação e a independência financeira e social das mulheres, o perfil, em especial, das esposas dos diplomatas mudou bastante. Hoje são mulheres com alto nível de formação, normalmente já inseridas no mercado de trabalho e dispostas a preservar sua independência. As formalidades das recepções, festas, jantares e outros compromissos diplomáticos, exigem cada vez menos a sua presença, ao mesmo tempo que as torna livres para criar seu próprio espaço, seguir seus estudos, suas metas pessoais.

É fato que, muitas vezes, é a partir desses compromissos sociais que se forma o seu círculo social, grandes amizades e até mesmo uma possível base de clientes - quando se pode exercer alguma atividade profissional. Mas o mais importante é que esse novo papel da "Esposa de Diplomata" seja valorizado e respeitado. Qual seria o novo papel? O da liberdade. Valorizar suas conquistas e quem ela é e como ela se tornou quem ela é. Somos mulheres com o direito de escolher casar, ter uma família e ter seu espaço na sociedade, independente da carreira do marido. 

Como citei acima, as barreiras para poder trabalhar são enormes. Não apenas pela falta de acordos de trabalho entre os países, mas também pelas barreiras culturais, linguísticas e muitas vezes legais que pode existir para exercer sua profissão. Além de tudo isso, existem leis que impedem os cônjuges de diplomatas a prestar serviço ou participar de concursos para vagas dentro das embaixadas, consulados e demais representações. Para cônjuges que são concursados (em outros órgãos do governo) estão impedidos de solicitar Exercício Provisório de suas funções (saiba mais).

Com esses - e tantos outros - impedimentos legais e morais (!), grande parte dos cônjuges se afasta de suas carreiras e tenta se adaptar às realidades dos postos de trabalho. Fator que acaba tendo ainda mais um desafio: o tempo. Por nossas temporadas em cada país serem relativamente curtas, pois raramente chegam a 4 anos, a saída acaba sendo se reinventar, descobrir novas habilidades e desenvolver novos talentos.  

Sim, existe um oceano de oportunidades e de experiências incríveis para quem embarca nessa "viagem sem fim". São pessoas que estão sempre em contato com diversas culturas e línguas, com uma grande rede de relacionamentos sem fronteiras, no entanto, para cônjuges de diplomatas, a amplitude e a complexidade tem as mesmas proporções. Traçar um objetivo profissional e seguir nele mudando de país a cada 2-4 anos, considerando tempo de adaptação, é algo realmente a ser celebrado e admirado. 


Felizmente, a cada dia vemos advogadas se tornando fotógrafas, nutricionistas virando "chefs", coachers, sommeliers, instrutoras de ioga, escritoras, artistas e uma série de novas, promissoras e apaixonantes carreiras de quem vive a se reinventar. 

"Nem sei como lhe explicar, querida irmã, minha alma. Mas o que eu queria dizer é que a gente é muito preciosa, e que é somente até certo ponto que a gente pode desistir de si própria e se dar aos outros e às circunstâncias. Depois que uma pessoa perder o respeito de si mesma e o respeito de suas próprias necessidades – depois disso fica-se um pouco um trapo. Eu queria tanto, tanto estar junto de você e conversar, e contar experiências minhas e de outros. Você veria que há certos momentos em que o primeiro dever a realizar é em relação a si mesmo." 

Clarice Lispector - carta à sua irmã Tânia Kauffman enquanto estava em Missão em Berna com o marido, o diplomata Maury Gurgel Valente (Janeiro, 1947).

Comentários

  1. Gostei! Gostaria de saber como seria para um homem casado com uma diplomata haha interessante! Beijos

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  2. Gostei bastante mesmo! Estou buscando mais informações sobre o assunto, mas não vejo em muitos lugares e uma visão pessoal é bem mais interessante. Também queria saber mais sobre um homem casado com uma diplomata. :)

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