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Artigo para Leitura

Passeando pela internet encontrei uma publicação bem interessante e atualizada a respeito da carreira diplomática. O artigo "A CARREIRA DIPLOMÁTICA E AS DIFICULDADES NO ÂMBITO FAMILIAR" foi escrito por Odete Hiromi Adati Okazaki e Marcelo Fernando Q. Obregon e publicado em janeiro deste ano.

Considerando a relevância e o pouquíssimo material disponível a respeito desse tema, tomei a liberdade de reproduzir e destacar aqui no blog alguns trechos: 
Foto: Fabiano Queiroga 
  1. Imediatamente após a aprovação no concurso, o candidato recebe o título de Terceiro Secretário e ingressa no curso de formação, que tem duração de três ou quatro semestres, sendo as aulas em período integral. Após concluir a formação, o Terceiro Secretário é lotado em uma unidade da Secretaria de Estado, com jornada integral, onde pode realizar outros cursos e evoluir na carreira, aos cargos de: Segundo Secretário, Primeiro Secretário, Conselheiro, Ministro de Segunda Classe até alcançar o cargo de Ministro de Primeira-Classe (Embaixador), com base em critérios de antiguidade e de merecimento (A carreira de diplomata).
  2. Além disso, outros critérios devem ser considerados: permanecer no mínimo por três anos em cada classe, tempo de serviço no exterior, tempo de carreira e conclusão de cursos específicos para cada classe, ficando as promoções condicionadas aos votos de seus pares e superiores, bem como à avaliação das altas chefias do MRE, de forma que para se chegar ao topo da hierarquia o tempo médio é de 20 anos.
  3. Deve ser observada a existência de limites quanto ao tempo de permanência no exterior, conforme regras específicas para cada classe da carreira diplomática. Regra geral, um embaixador, mesmo em topo de carreira, alterna momentos no Brasil e no exterior, permanecendo no máximo 10 anos fora do país (A carreira de diplomata).
  4. Dado interessante diz respeito à quantidade de mulheres nos cargos diplomáticos. Segundo dados de outubro de 2013, divulgados no site do IRBr, aproximadamente 22% do efetivo é composto por mulheres, isto é, dos 1.556 diplomatas, 344 são mulheres, o que demonstra que a participação feminina ainda é tímida nesse cenário.
  5. Na visão de André Amado (2013, p. 69), dentro do IRBr existem as chamadas “regras subterrâneas” da carreira, dentre as quais, viver no exterior. Nas palavras do autor, Viajar é uma delícia. Quantos sacrifícios e contas as pessoas fazem em seus orçamentos domésticos para conhecer as cidades e os locais de seus sonhos? Viver lá fora, entretanto, é muito diferente. No caso dos diplomatas, a passagem de ida não tem a data de volta. Em geral, a permanência em cada posto é de dois a cinco anos, variação que acompanha as dificuldades de vida ou as necessidades de serviço. Ao imponderável, portanto, do tempo da estada, acrescem-se a nem sempre fácil experiência de viver longe dos familiares, a sofreguidão de comunicar-se em idioma diverso (às vezes sequer pronunciável de início) e, para mim, o pior, sentir dor, por exemplo, na cadeira do dentista, em espanhol, francês, inglês ou sei lá que outra língua.
  6. Nesse sentido, é possível observar o lado perverso de uma carreira que, como tantas outras, apresenta as duas faces da moeda. Então, o que pode ser ótimo para uns, pode não sê-lo para outros, em especial ao profissional casado e com filhos em idade escolar.
  7. No que tange a carreira diplomática brasileira, insta ressaltar que a mesma foi gravemente afetada pela crise vivenciada pelo país. Infelizmente, representações brasileiras têm sido alvo constante de notícias que retratam os problemas orçamentários e financeiros que atravessam, indo desde a falta de papel higiênico até a falta de segurança (Após décadas de glamour diplomacia brasileira acumula dívidas, 2016). 
  8. Nesse sentido, o que se observa é que o período de glamour da diplomacia faz parte do passado, uma vez que a realidade atual se mostra muito diferente. Isso só fortalece o entendimento de que a carreira diplomática brasileira não é para qualquer pessoa. Aqueles que almejam seguir a carreira diplomática devem buscar informações reais, pois as estatísticas alertam para o alto índice de abandono na carreira.
  9. De acordo com o Sinditamaraty, nos últimos 20 anos, de cada dez pessoas que ingressaram nas carreiras de assistente e de oficial de chancelaria, quatro pediram dispensa, o que corresponde a uma das taxas de evasão mais altas do funcionalismo público brasileiro.
  10. A EVOLUÇÃO DO DIREITO DE FAMÍLIA: Importa, nesse momento, fazer um breve histórico sobre o desenvolvimento do direito de família no Brasil. Trazer, de modo sucinto a evolução do conceito de família, que resultou em mudanças no direito de família brasileiro, com o objetivo de se adequar a nova realidade social.
  11. Diante desse novo cenário, a família passa a ser vista como o pilar de desenvolvimento do ser humano, local em que se estabelecem as relações que irão marcar a vida dos seus integrantes. É, pois, no seio familiar, que o indivíduo irá se desenvolver e realizar as suas escolhas, em busca da sua felicidade. Nesse sentido, observa-se que o conceito de família sofre alterações frente ao dinamismo da sociedade. Assim, valores que anteriormente eram importantes, deram lugar a outros, de modo a satisfazer as necessidades desta nova família, em que todos os membros são igualmente importantes.
  12. Então, a família contemporânea não pode mais ser entendida como uma instituição em que a figura paterna, eminentemente autoritária, prevalece. Hoje, a mulher, inserida no mercado de trabalho, mais informada, contribui, na mesma medida para o sustento e para a manutenção do lar. No mesmo sentido, os filhos, vistos agora como seres em desenvolvimento, merecedores de carinho e proteção. Com isso, o patrimônio cede lugar para o afeto, ao lado da solidariedade, da confiança mútua e da cumplicidade entre todos os seus membros.
  13. OS FILHOS NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA: A proteção à infância é um direito social garantido aos que se encontram em um momento especial de sua vida, previsto na CF/88, bem como no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECRIAD). A família, espaço de convivência harmônico, deve ser capaz de promover e proteger os seus entes, por meio do apoio moral e psicológico, para fins de realização pessoal de todos que a compõem. 
  14. A EDUCAÇÃO DOS FILHOS DE DIPLOMATAS E A CRISE DE IDENTIDADE: Um dos grandes desafios na vida de um diplomata com filhos é assegurar uma educação de qualidade, em razão do caráter nômade da sua atuação profissional. Isso se verifica tanto quando ele assume um cargo no exterior como quando ele retorna ao Brasil.
  15. Sendo assim, os pais têm diante de si um dilema: ou eles matriculam os filhos nas escolas americanas e francesas (escolas internacionais) que seguem o mesmo currículo e os mesmos calendários em vários países do mundo ou optam pelas escolas locais. O grande problema que existe são o alto custo das primeiras e o idioma do país da escola local.
  16. A Associação dos Diplomatas Brasileiros (ADB), ao lado do Sindicato Nacional dos Servidores do Ministério das Relações Exteriores (Sinditamaraty), pleiteam a instituição do auxílio educação no exterior, antiga reivindicação dos servidores que representam o Brasil no exterior. Segundo eles, o “auxílio familiar”, que consiste em uma indenização para atender, parcialmente, a manutenção e as despesas de educação e assistência, no exterior, a seus dependentes, disposto nos art. 20 e 21 da Lei no 5.809/72 de Retribuição no Exterior, LRE, é insuficiente. Tal valor corresponde a 5% da IREX (indenização de representação no exterior), outra parcela indenizatória estabelecida pela LRE, o que representa menos de US$ 200 por mês, incapaz de atender, sequer parcialmente, as despesas com a educação de seus dependentes (Justificação para projeto que institui o auxílio-educação no Exterior no MRE, 2016, p.1).
  17. Justificam tal reivindicação na medida em que a Constituição Federal assegura a educação como um direito social, sendo dever do Estado garantir a educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, a todos, indistintamente. Logo, é preciso prover a educação dos dependentes, como forma de se garantir a mobilidade do servidor para servir no exterior, pois do contrário, a remoção se torna inviável, pelos altos custos da educação. 
  18. Na visão dos servidores, a melhor opção para os seus filhos são as escolas internacionais, já que a permanência em um determinado país é provisória, de modo que é preciso se atentar para a continuidade dos estudos, bem como para o bem estar da criança/adolescente, sujeitas a constantes mudanças no ambiente escolar.
  19. O drama que essas crianças/adolescentes passam como filhos de diplomatas, tendo que conviver com a incerteza do amanhã, sendo, muitas vezes, obrigadas a morar em países com diferentes línguas e culturas. Vale destacar que essa dúvida pode ocasionar danos, uma vez que são seres em desenvolvimento que têm que aprender a se desapegar, recomeçar, conhecer novas pessoas, fazer novas amizades, construir novos laços em cada lugar por onde passam. Essa situação pode, muitas vezes, gerar abalos psicológicos, resultando em situações de angustia, ansiedade e depressão, resultado de uma verdadeira crise de identidade, pois eles não se sentem parte do meio onde estão inseridos.
  20. Segundo Tanya Mohn (2008), a empolgação inicial de uma mudança para um lugar exótico pode se transformar rapidamente em choque cultural, motivo de solidão, perda de identidade e depressão, sendo os mais afetados os filhos e o cônjuge do funcionário, em razão da ausência da familiar rotina do trabalho. Ademais, se a família não conseguir se adaptar, dificilmente o funcionário terá sucesso na carreira profissional, o que pode resultar em prejuízo para toda família.
  21. Interessante estudo foi realizado por Cristina Patriota de Moura (2007), filha, neta, prima, sobrinha e amiga de diplomatas. Ela analisou um estudo sobre a vida dos filhos de diplomatas e constatou que quando esses retornam ao seu país natal, se sentem estranhos, como se não fizessem parte, além da visão mais ampla e crítica que incorporam ao viver em países diferentes.
  22. IMPORTÂNCIA DO CÔNJUGE NA CARREIRA DIPLOMÁTICA: a carreira diplomática, mais do que outras, exige do seu profissional a incorporação de um papel onde aqueles que o rodeiam são essenciais a sua função de bem representar o Brasil frente às nações internacionais e ao mundo. Ressalta a autora, que “a instituição engloba a família nuclear, definindo seus membros em um sistema classificatório tríplice: diplomata, filho de diplomata e cônjuge de diplomata” (CRISTINA PATRIOTA MOURA, 2007, p. 97).
  23. Esse rótulo “esposa de diplomata” é polêmico, pois pode soar machista e pejorativa, como se a mesma tivesse somente conotação decorativa e de mera acompanhante. Entretanto, isso deve ser entendido sob outra perspectiva, diante da importância do papel que a mulher assume na vida de um diplomata.
  24. A realidade da esposa de diplomata revela-se, por vezes, difícil e cruel, com a mulher abandonando os seus projetos pessoais e profissionais, para poder apoiar a trajetória de seu marido e de seus filhos. São muitas as dificuldades e renúncias com as quais ela tem que lidar, o que demanda estrutura emocional e psicológica, já que o seu papel ultrapassa o âmbito familiar diante da relevância do seu papel social no sucesso da carreira diplomática.
  25. Não se pode negar que a carreira diplomática ainda proporciona inúmeros atrativos e oportunidades de crescimento pessoal e profissional, mas há que se enfatizar também, as mazelas e dificuldades que rondam a mesma, em especial no que tange ao diplomata casado e com filhos em idade escolar.
  26. O diplomata possui importante função como representante do Brasil e na defesa dos brasileiros no estrangeiro. Esse profissional é altamente demandado, desde o instante em que escolhe seguir essa carreira, quer seja no preparo que lhe é exigido pela dificuldade de ser aprovado no concurso, quer seja no curso de sua trajetória, pelas constantes mudanças e desafios a que é submetido.
  27. Entretanto, o maior desafio, consiste em saber conciliar com equilíbrio, a sua rotina de trabalho e a relação familiar, que pode ser fonte de desgaste para todos. Nesse sentido, a família assume um papel fundamental na evolução e no sucesso da carreira diplomática. Isso porque, o sucesso só será pleno se for possível garantir efetivamente a realização e a felicidade de todos os membros da entidade familiar.
Para obter o conteúdo completo e a bibliografia, acesse: https://www.derechoycambiosocial.com/revista051/A_CARREIRA_DIPLOMÁTICA.pdf




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